A aprovação do Projeto de Decreto Legislativo (PDL-03/2025) pela Câmara dos Deputados representa um retrocesso contra os direitos de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual. A avaliação é da advogada criminalista Mariana Rieping, especialista em crimes de gênero, para quem o projeto configura uma forma de “violência institucional”.
O PDL busca sustar uma resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) que visava garantir um acesso humanizado e rápido ao aborto nos casos previstos em lei. “O ataque a essa norma impõe burocracia onde deveria haver acolhimento, expondo meninas vítimas de estupro a mais sofrimento”, afirma a criminalista.
Rieping lembra que o aborto em casos de estupro é permitido no Brasil há 85 anos, desde a promulgação do Código Penal de 1940, que nunca estabeleceu um limite de idade gestacional para o procedimento. “A resolução do Conanda apenas regulamentava um direito existente, com foco em crianças e adolescentes. Exigir um boletim de ocorrência de uma menina violentada pelo pai, por exemplo, é uma crueldade que a expõe a mais risco e desrespeita o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)”, contextualiza.
A urgência da Resolução do Conanda, agora ameaçada pelo PDL, reside nos alarmantes dados sobre estupro no país. A advogada explica que as principais vítimas são crianças e adolescentes, majoritariamente menores de 14 anos, enquadradas na figura do estupro de vulnerável. “A maioria dos crimes de estupro de vulnerável é cometida no contexto doméstico e familiar, por alguém conhecido. Isso dificulta a denúncia e faz com que a gravidez, que pode ocorrer em crianças e adolescentes, demore a ser identificada. O PDL ataca essa realidade, tentando impor um tempo que a própria lei não exige”, esclarece.
Por se tratar de um Decreto Legislativo, o texto não pode ser vetado pelo Presidente da República, tendo efeito imediato se aprovado no Senado. Outro ponto crítico é continuar permitindo que médicos recusem o aborto legal com base em convicções morais, pessoais, filosóficas e éticas, onde acontece a chamada objeção de consciência dos profissionais da saúde. “A lei brasileira é clara: basta o relato da vítima e o consentimento. Ao tentar transformar a objeção de consciência em uma forma válida de recusa, o PDL subverte a lógica da proteção à vítima e abre perigoso precedente para a interferência de valores pessoais na garantia de um serviço público de saúde. O direito de interromper a gestação, nos casos previstos em lei, é um direito de saúde e, acima de tudo, um direito humano”, argumenta a especialista.
A advogada conclui apontando o paradoxo criado por propostas como esta e o suspenso PL 1904/2024, que equipara o aborto após 22 semanas a homicídio. “Vemos a possibilidade de uma criança estuprada ser punida com uma pena maior que a de seu agressor. Cabe ao Senado atuar como barreira final para impedir esse flagrante atentado aos direitos das meninas e mulheres brasileiras.”
